Pesquisas mostram como a busca incessante por ser feliz e a negação do sofrimento podem tornar as pessoas cada vez mais angustiadas
CERTEZA
Ser alegre o tempo todo nunca foi uma meta para Jeanne.
Adepta do zenbudismo, para ela o fundamental
é manter o equilíbrio quando o humor oscila
Depois de devorar mais de 30 livros de autoajuda, a webdesigner
Mariana Frioli, 28 anos, chegou a duas conclusões a respeito de sua
busca por felicidade. A primeira, de que seria inviável ser feliz 100%
do tempo, como sugeriam os títulos. A segunda, de que faltava à maioria
das obras esse alerta. “Quase tudo que li apresentava um mundo perfeito,
que não correspondia à realidade e onde parecia ser possível ser boa em
tudo o que se faz e feliz o tempo todo”, diz. Depois dessa imersão, a
webdesigner decidiu aposentar a coleção na estante e resolver por si só
os momentos difíceis, sem fugir deles. Nem todos, porém, conseguem fazer
como Mariana e tirar da cabeça a obsessão pelo bem estar incessante. “É
emblemático esse dogma contemporâneo de que pessoas de sucesso são
aquelas que, independentemente de suas perdas, dores e fracassos, se
mantêm, aparentemente, inabaláveis e demonstrando que a felicidade é sua
companheira permanente”, afirma a consultora Lêda Dutra, que estuda os
valores humanísticos no mundo dos negócios. Como a pesquisadora, vários
estudiosos engrossam o coro contra a tirania da felicidade. O xis da
questão, bem definido pelo filósofo Pascal Bruckner, autor de “A Euforia
Perpétua” (Difel), é que não ser feliz se tornou imoral hoje em dia.
“Em vez de admitirmos que a felicidade é um evento indireto que nos
chega ou não por meio de objetivos secundários, nós a consideramos um
objetivo acessível imediatamente, por meio de receitas”, escreveu
Bruckner.
Tanta ânsia por uma alegria constante e eterna tem seus efeitos
colaterais. O gerente administrativo Celso Riquena, 44 anos, bem sabe
disso. “Li livros de autoajuda para tentar ser mais feliz, mas, em um
determinado momento, percebi que o efeito dessa busca era contrário:
estava mais infeliz”, afirma. O sentimento que Riquena experimentou é
comum entre quem elege a felicidade como objetivo de vida, diz a
pesquisadora June Gruber, do departamento de psicologia da Universidade
de Yale, nos Estados Unidos. Ela é coautora do artigo “O lado negro da
felicidade?”, uma revisão científica sobre o tema, publicada no ano
passado. “Pessoas que valorizam demais ser feliz podem acabar sendo
menos felizes que as demais”, disse à ISTOÉ. “Isso porque, se geram
muitas expectativas, acabam se desapontando quando não conseguem atingir
a felicidade idealizada.” As mais suscetíveis são justamente as pessoas
emocionalmente vulneráveis – com tendência à ansiedade ou à depressão.
Nessas, pensar demais sobre o assunto pode acabar agravando o quadro
mental, conforme apontou um estudo guiado pela psicóloga Tamlin Conner,
da Universidade de Otago, na Nova Zelândia. Para chegar à conclusão, a
cientista examinou 162 voluntários durante duas semanas. No período,
eles deveriam reportar diariamente como estavam se sentindo. “Eles já
estavam experimentando menos felicidade e a necessidade de reportar isso
com frequência lhes reforçava o sentimento”, disse Conner à ISTOÉ.
Outro lado cruel do fetiche por ser feliz é não conseguir enxergar as sutis nuances do que significa felicidade para cada um. A administradora Claudia Cerullo, 42 anos, é exemplo disso. Ela é cotidianamente contestada por sua decisão de viver sozinha. “Já ouvi várias vezes ‘coitadinha da Claudia, não tem namorado’”, diz. “Mas eu não quero me casar, sempre quis morar sozinha.” Some-se a essa perda da singularidade das formas de se viver a felicidade um sintoma ainda mais grave: a recusa ao sofrimento. “A dor não tem sentido nesse contexto em que é obrigatório ser feliz. Ela não é vista como oportunidade de se repensar o que se quer na vida”, diz o filósofo Paulo Vaz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Encarar a dor pode parecer um caminho difícil, mas aprender a lidar com esse sentimento torna mais fácil encarar as oscilações de humor cotidianas. “Aprendi que, do mesmo modo como os momentos felizes passam, os ruins também acabam”, afirma a farmacêutica Jeanne Pilli, 46 anos. Adepta do zenbudismo, ela busca em algumas ferramentas, como a meditação, meios para enfrentar com mais serenidade as inevitáveis situações de angústia e sofrimento do dia a dia. “A tristeza faz parte da vida”, avalia Araceli Albino, coordenadora do Núcleo Brasileiro de Pesquisas Psicanalíticas e presidente do Sindicato dos Psicanalistas de São Paulo “Quem fica triste é porque foi afetado pelo amor, sentimento que humaniza o homem.” Parece que muita gente esqueceu disso.
MUDANÇA
Depois de ler cerca de 30 livros para aprender a ser mais feliz,
Mariana descobriu que não existe fórmula mágica